As relações sociais em Cabo Verde: morabeza e boa convivência

Pela sua particularidade histórica, os cabo-verdianos distinguem-se pela harmonia, hospitalidade, boa convivência e cordialidade que expressam no seu comportamento. A morabeza é o termo conhecido no vocabulário crioulo para descrever a capacidade que o cabo-verdiano possui em acolher com cordialidade […].

Gabriel Mariano entende a morabeza cabo-verdiana como sendo: “a capacidade de adesão sentimental a problemas e situações alheias e de sintonização afectiva com o seu semelhante (…) ‘algo que’ leva a um convívio familiar com as pessoas e até com as coisas: que lhe solicita uma ânsia irreprimível de diálogo.

A morabeza, tipicamente cabo-verdiana, demarca-se essencialmente pela espiritualidade cordial dos seus habitantes e pela forma sui generis de confraternização social. Para o antropólogo cabo-verdiano José Gomes dos Anjos, o que caracteriza particularmente o processo de miscigenação em Cabo Verde é a cordialidade, que se traduz na morabeza dos homens das ilhas, sendo esta “entendida como predisposição para a familiarização das relações sociais, portanto em contraposição a exteriorização dos conflitos. Nesta perspectiva, o homem cabo-verdiano adquiriu ao longo do tempo, uma atitude de afeição, aceitação, admiração, em suma, de hospitalidade e familiaridade para com o próximo, o que possibilitou um maior vínculo à terra das suas origens, sentindo saudades dela quando emigra, principalmente do convívio e do calor humano dos seus familiares e amigos. A propósito disso, no romance Hora di Bai, o escritor Manuel Ferreira […] citando a personagem Nha Venância: “sempre foi mulher de relações, de visitas, de encontros à tardinha nos bancos da praça nova. Esse estilo de vida, com tal Morabeza, só na sua própria terra seria possível”.

O homem cabo-verdiano procurou, no período da sua formação, ser hospitaleiro. Estas características foram conservadas, cultivadas e arreigadas passando de geração em geração. O carácter singular e cordial dos “homens das ilhas” fez com que o filólogo, poeta e ficcionista cabo-verdiano Baltazar Lopes considerasse que no arquipélago as classes sociais não constituíssem “categorias fechadas e estanques e o mesmo indivíduo pode conhecer durante a sua vida diversos escalões de consideração social, independentemente das circunstâncias do seu nascimento ou da cor da sua pele, tudo consoante o seu comportamento perante as perspetivas de acesso social. A perspetiva de autor refere-se ao carácter solidário dos cabo-verdianos, da sua responsabilidade social, sobretudo no que se refere à relação entre os indivíduos das diferentes camadas sociais.

A nação cabo-verdiana, apesar das dificuldades da vida, soube cultivar a cordialidade, a compreensão e o respeito. A morabeza, de certa forma, é um traço do cabo-verdiano, que vem sendo, por vezes, utilizado no sentido de divulgar Cabo Verde, constituindo igualmente um atrativo para aqueles que queiram visitar ou residir no arquipélago.

Referência bibliográfica

Madeira, João Paulo (2015). Nação e Identidade: A Singularidade de Cabo Verde (Tese de doutoramento). Lisboa, 2015.

Autor: Prof. António Moreira

Chamo-me António Carlos Gomes Moreira, cabo-verdiano, professor e residente em Portugal. Sou licenciado em Ensino de História, pela Universidade de Cabo Verde, mestre em Administração Escolar e Supervisão Pedagógica, pela Universidade Jean Piaget de Cabo Verde. Atualmente, frequento o curso de doutoramento em Ciências da Educação, na Universidade de Évora (Portugal). Sou professor de História de formação. Trabalhei por 11 anos na Escola Secundária Fulgêncio Tavares (São Domingos, ilha de Santiago-Cabo Verde), lecionando, entre outras disciplinas, História e Cultura Cabo-Verdiana. Além disso, desempenhei cargos de gestão intermédia na escola onde trabalhava. Também sou blogueiro e trabalho na área de serviço social, exercendo atividades relacionadas no campo de voluntariado e associativismo. Fui cofundador e/ou líder de diversas organizações associativas, com destaque para a Associação de Pais e Encarregados de Educação do concelho de São Domingos, na qual exerci o cargo de presidente do Conselho Diretivo de 2018 a 2021.

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